Estão vendo essa imagem logo abaixo? É o trecho de um texto publicado em uma revista para mulheres, de Fevereiro de 1893. Essa é a metade de uma crônica que tem por título "Croniqueta", e foi escrita para noticiar e comemorar a derrubada do maior cortiço do Rio de Janeiro, o Cabeça de Porco.
É "engraçado", porque se vocês repararem o escritor faz uma comparação bem absurda, ele compara a queda da Bastilha, algo que foi extremamente popular , o símbolo da famosa revolução francesa com a arbitrariedade feita de derrubar o cortiço, sem se importar onde seus mais de 2 mil moradores, iriam morar. Na verdade a graça se dá porque o próprio escritor mostra a idiotice do seu texto ao dizer que contra a Bastilha tinha todo o povo com ódio de séculos, e contra o cortiço(contra os pobres de lá) só o prefeito Barata Ribeiro.
Reparem na frase "as primeiras escaramuças de uma guerra implacável contra esse atestado negativo da nossa civilização e do nosso bom senso em matéria de higiene - o cortiço". Soa familiar? Acho que se mudar a palavra "cortiço" para "Favela", ou usar o eufemismo "comunidade", você até pensa que esse é um jornal de Fevereiro de 2018. É fácil apontar para o lugar onde as pessoas moram e que não tem estrutura nenhuma, onde o Estado começou a lembrar que existe há pouco tempo. Na época, só lembrou do lugar para demolir e expulsar as pessoas que ali moravam e que era composto por trabalhadores de base do Rio de Janeiro, os pobres - Negros, ex-escravos, filhos de ex-escravos e alguns imigrantes.
A última frase é o maior ponto que posso destacar: "Suprimindo os cortiços, a cidade do Rio de Janeiro valerá mais cinquenta por cento.". Notaram a ingenuidade do autor dessa crônica? Ano de 1893, a cidade está lotada de cortiços porque a escravidão foi abolida em 1888 e ninguém pensou o que fazer com as pessoas que moravam nas senzalas e que agora estavam livres. Inserção social? Construção ordenada de moradias e capacitação para os agora cidadãos? Nada disso, que se dane o que eles vão fazer.
A grande ironia, é que os cortiços evidentemente se tornaram um problema de saúde pública. A solução para muitos era só derrubar. O autor mesmo achava que o RJ ia se valorizar se isso acontecesse. O que mais assusta, é que esse pensamento simplista se encontra ainda hoje quase 130 anos depois! Tem um certo candidato que fala que os problemas se resolvem dando armas pra população, que é só matar os bandidos e coisas simplistas assim e as pessoas continuam achando genial. Sabe por que existem favelas no Rio? Porque esse pensamento do jornal era o que a sociedade da época pensava! Derrubaram o cortiço, a "solução fácil" e com a derrubada desse primeiro cortiço nasceu as primeiras casas do Morro da Providência. Após a derrubada desse cortiços, outros vieram ao chão, e as pessoas tiveram que pegar os escombros e fazer os casebres nas encostas dos morros e com isso, o centro do RJ foi tomado pelas favelas.
Mas ué, num ia valer mais 50% a cidade? Não era só derrubar esses lugares sujos? Hoje, as comunidades são um problemas pra cidade, porque o Estado age pouco por lá, as condições são ruins porque não houve planejamento e preocupação com o futuro. Solução fáceis, é isso que acontece.
Quando seu candidato, seu amigo, seu parente chegar com uma solução simples para o problema social, político, urbanístico, criminológico e educacional, se lembre dessa história real, a história existe pra talvez nos fazer refletir e não repetir os erros. Não caia nessa de simplicidade, em 1893 era só derrubar os cortiços que tudo ia virar um paraíso, mas sabemos no que deu.